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Em 2007 foi promulgada uma lei (11.635) que deu à data esse propósito.

A lei foi incentivada por um acontecimento trágico, embora corriqueiro. Mãe Gilda, em Salvador, teve seu terreiro destruído por pessoas que se declaravam cristãs e consideravam a violência uma Cruzada justificável, como sempre são consideradas as Cruzadas, por mais ilógicas que sejam.

Mãe Gilda sofreu um infarto fulminante por causa desse ataque . E é em homenagem a ela que este dia foi instituído.

Ao igualar racismo à intolerancia religiosa, gêmeos umbilicais neste país, a lei tornou crime a intolerancia baseada na religião. Mas, infelizmente, é só vestir branco e sair por aí que se vê que a prática da lei ainda está aquém do que deveria ser.


(BUSTO DE MÃE GILDA EM SALVADOR)

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A religião é, em múltiplos sentidos, o que conecta o ser humano com aquilo que se acredita ser o divino. Sob perspectiva sociológica, a religião pode ser entendida como um conjunto de crenças (menos ou mais institucionalizadas) que formam as fés de espiritualidade e do sagrado, bem como as visões de mundo do ser humano.

Quando se busca definir, o mais em voga hoje em dia é acompanhar Clifford Geertz:

A definição de Geertzé composta de cinco aspectos que a religião representa (1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas , penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens atrvés da (3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de factualidade que (5) disposições e motivações parecem singularmente realistas. ( USARKI; TEIXEIRA. PASSOS orgs. Dicionário de Ciência da religião, p. 785)

A religiosidade, por sua vez, está diretamente relacionada com o exercício das atividades religiosas, englobando as suas práticas, cultos e tradições. Isso significa que a religiosidade pode ser interpretada como o estado de ser religioso, envolvendo a expressão ou a prática da crença.



Os registros históricos indicam que a humanidade se dedicou a práticas religiosas desde o período pré-histórico. Isso acontece porque há registros de períodos como o Paleolítico (por volta de 4 a 2 milhões de anos até 10.000 a.C) e o Neolítico (7.500 a.C até 2.500 a.C) que indicam a realização de rituais, como o sepultamento.



Essa atitude indica uma preocupação com o período pós-morte e com o sobrenatural. Nesses períodos, também foram encontradas pinturas com simbologias e representações de danças e rituais que podem ser interpretadas como xamânicas (práticas espirituais ancestrais tidas como mágico-religiosas).

Além disso, diversas dessas expressões e símbolos estavam atrelados aos eventos naturais, que eram vistos como manifestações divinas.

Mas, mesmo com a religiosidade já fazendo parte da vida humana, foi apenas com a formação das primeiras civilizações sedentárias (aquelas que, por conta do desenvolvimento da agricultura, deixavam de ser nômades e se estabeleciam em lugares fixos) que as primeiras religiões, de fato, surgiram e foram institucionalizadas. E com elas, surgiram também as perseguições e as discriminações.

O continente africano,  berço civilizatório da humanidade, também representou o surgimento da religião: a egípcia.

Os egípcios acreditavam na existência de vários deuses, crença conhecida como politeísta. Também acreditavam na vida após a morte e viam os faraós (imperadores que governaram a região) como os intermediários dos deuses.

Isso significa que o Egito Antigo funcionava como uma teocracia (governo fundamentado na religião), em que as crenças religiosas definiam as leis.

Além disso, as práticas religiosas e ritualísticas faziam parte do cotidiano dos egípcios e eram centrais de sua cultura, mas não havia liberdade para práticas que fugiam das diretrizes estabelecidas pelos faraós. Ou seja, a religiosidade não era um direito individual.

Alguns milênios depois, olhando para uma outra civilização, que representa uma das matrizes da sociedade ocidental, temos um dos primeiros e mais importantes registros de perseguição religiosa. Estamos falando da Roma Antiga, especificamente do Império Romano, quando ocorreu a perseguição aos cristãos (seguidores dos ensinamentos de Jesus Cristo).

Isso ocorreu em vista do cristianismo, religião nascida na Palestina, passar a negar práticas religiosas comuns da cultura romana, como o sacrifício aos deuses, desagradando os governantes da época. Com isso, se intensificou uma visão social negativa em relação aos cristãos.

Essa perseguição se intensificou com o tempo e chegou ao seu ápice no século IV, quando o imperador Diocleciano decretou a destruição dos edifícios de culto cristão, assim como a extinção dos direitos de cidadania dos cristãos, gerando a morte de milhares de pessoas.

Mas, ainda no mesmo século, após os horrores das perseguições, o imperador Constantino revogou os decretos de opressão e permitiu a religiosidade cristã em Roma.

Esse momento marca o início da aproximação entre o cristianismo e o poder político de Roma. Com isso, o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano, em 390 d.C.

Foi nos períodos da Idade Média e da Moderna que a liberdade religiosa sofreu os seus maiores reveses.

Isso porque, como coloca o doutor em linguística Sidnei Nogueira em seu livro “Intolerância Religiosa”, o cristianismo passou de vítima para uma posição de algoz, em que sua hegemonia resulta em intolerância a outras práticas religiosas.

Os maiores exemplos disso consistem nas Cruzadas e no movimento da Inquisição. As Cruzadas ocorreram entre os séculos XI e XIII e foram expedições promovidas pela Igreja Católica para conquistar territórios na Palestina (tida como Terra Santa) e expandir o cristianismo.

Essas expedições travaram diversas batalhas e resultaram no massacre de judeus e muçulmanos, assim como na conquista de diversos territórios pela Igreja Católica e pela imposição do cristianismo como religião oficial.

 O movimento da Inquisição, por sua vez, consistiu na opressão da Igreja Católica contra os não adeptos ao cristianismo em geral, especialmente contra os judeus e os muçulmanos.

De maneira objetiva, esse movimento estabeleceu um sistema jurídico da repressão a quem não seguia os dogmas e preceitos estipulados pela Igreja.



Essas pessoas eram acusadas de heresia ou bruxaria, sofrendo torturas e sendo condenadas à prisão e penas de morte apenas pela expressão de suas religiosidades serem diferentes dos moldes cristãos.

A Inquisição existiu entre os séculos XIII e XIX e não há um consenso histórico sobre o seu número total de vítimas, isso porque o movimento foi iniciado pelos países ibéricos (Espanha e Portugal), mas não se concentrou apenas na Europa.

Por exemplo, as colônias portuguesas e espanholas, como as americanas (incluindo o Brasil) e as africanas, também foram diretamente afetadas pela Inquisição. Mas é fato que milhares de vidas foram atormentadas e/ou interrompidas em vista dessa perseguição religiosa.

A conquista pela liberdade religiosa como direito no mundo

Nesse contexto, foi somente no século XX que a livre religiosidade foi reconhecida como um direito em âmbito global. Isso ocorreu como consequência de um movimento histórico, influenciado, dentre vários outros movimentos, pelo Iluminismo e pela Revolução Francesa movimentos que marcaram o início da Idade Contemporânea (1789-presente).

No Iluminismo e na Revolução Francesa, os princípios de liberdade e igualdade foram altamente valorizados por ambos os movimentos.

Nesse sentido, a Revolução Francesa resultou no estabelecimento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), representando um dos primeiros documentos a expressar que ninguém poderia ser maltratado por conta de suas crenças religiosas.

Além disso, o documento possui forte influência na determinação dos direitos humanos no século XX, que ocorreu com a fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), após a Segunda Guerra Mundial, marcada, dentre diversas outras atrocidades, pela perseguição aos judeus.

Essa perseguição, também conhecida como holocausto, acarretou no genocídio de aproximadamente 6 milhões de judeus pelo regime nazista, que além da intolerância religiosa contra o judaísmo, perseguiu outras minorias como negros, ciganos e a população LGBTQIAP+.

Nesse contexto, a ONU surge com o objetivo de pacificar a comunidade internacional e garantir o respeito pela dignidade humana, para que as atrocidades cometidas não voltassem a se repetir.

Assim, em 1948 a organização elaborou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que pode ser considerada como o primeiro tratado internacional que incluiu a determinação da liberdade religiosa como um direito para todos os seres humanos, sem exceção.

Nesse sentido, a Declaração expressa que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, buscando garantir a dignidade humana e o respeito pelos princípios da igualdade, da liberdade e da justiça.

Mas, apesar do avanço conquistado na proteção da livre religiosidade dos indivíduos ao redor do mundo, a intolerância religiosa continuou a ser uma realidade em muitos países, exigindo o fortalecimento desse direito em nível internacional.

A discriminação religiosa continuou a existir no mundo e se intensificou no século XX em determinadas regiões, como no caso do Oriente Médio. Isso porque o conflito Israel-Palestina tomou novas proporções, em que ambos os Estados passaram a reivindicar o território de Jerusalém.

O conflito, além de geopolítico, é também religioso, por representar um embate entre judeus e muçulmanos. Diversas foram as batalhas travadas na segunda metade do século XX entre esses povos, como a Guerra dos Seis Dias (1967), a Guerra de Yom Kippur (1973) e a Primeira Intifada (1987).

Em um claro desrespeito ao direito da livre religiosidade e expressão de crença, além desse conflito, diversos outros países registraram conflitos e intolerâncias religiosas em seus territórios.

Como no caso da Nigéria, no chamado Massacre dos Ibos (1966), do Líbano, em sua guerra civil (1975-1985), entre outros.

Diante desse contexto, diversos mecanismos foram construídos pela ONU na busca de reforçar a liberdade religiosa no mundo e exigir dos Estados o fim da discriminação e da violência por motivos religiosos.

Assim, em 1966 foi elaborado o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de maneira a aprimorar os direitos humanos reconhecidos até então. Nele, além da liberdade religiosa ser garantida como um direito, fica estabelecido que nenhuma pessoa pode ser submetida a medidas coercitivas que restrinjam a sua livre escolha de adotar uma religião ou crença.

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